Só a arte salva

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Pablo de la Rocha

Entre muitas coisas que aconteceram na minha vida, o ano de 2023 marca o aniversário de 20 anos de eventos muito especiais. O mês de maio especificamente é um marco não só na minha vida pessoal, quando conheci a mulher que amo e com quem divido a vida desde então, mas como também o é na minha vida profissional: comemoro duas décadas da minha formatura como Artista Visual. Sim, minha formação é em artes, com habilitação em design gráfico.

Esse texto vai ter uma boa dose de inconformismo, de rabugice típica da idade, mas eu já vou adiantar o spoiler: no fim, a arte salva.


Voltando, sim, já são mais de 20 anos como designer profissional. Antes disso eu já trabalhava com uma coisa ou outra de design, como pequenos freelas ou em alguma bolsa na universidade… mas considero que meu início de fato foi com uma oportunidade que surgiu como um estágio de uma pequena agência, debaixo de uma arquibancada de um estádio de futebol em Pelotas, escaldante no verão, congelante no inverno. Como muitas pequenas agências da época, esta não resistiu à marcha do tempo e às mudanças econômicas do país. Mas a arquibancada que tantos pesadelos me deu segue lá.


Do deslumbramento com o mercado, passei à decepção e por dezenas de vezes pensei em recomeçar outra carreira. Design. Quem nunca? Da decepção fui de volta ao deslumbramento num ciclo infinito. Hoje já mal faço design. Às vezes sinto saudade… passar uma tarde, um dia inteiro, com os fones de ouvido, muita música, testes no Photoshop e zero reuniões e decisões macro. Apenas a preocupação em comunicar com a maior força, clareza e originalidade possível, uma ideia. Mas também há dias em que não sinto falta nenhuma, porque eu olho o design hoje e penso o quão chato ele se tornou.

Calma que já explico melhor esse “chato”.

O “chato” significa apenas uma coisa: que a roda do tempo girou – como sempre – e o modo como trabalhávamos em 2003 não é mais cabível em 2023. Um modo com muito feeling, muito instinto, muito confiar na própria intuição e… vamos ser sinceros, poucos dados, certezas e até mesmo conhecimento concreto. Quando você é jovem, trabalhar assim é puro rock´n´roll. Quando é adulto e maduro… é apenas um tanto irresponsável com quem está investindo seu dinheiro em uma marca ou produto.


Por sorte o chato pra mim é só aquela velha tendência de polir o passado. Sempre quando ouvir um “no meu tempo era melhor”, desconfie. Porque tem tanta gente boa entrando no mercado que está fazendo cursos e se empolga numa boa discussão sobre UX, pesquisa, cruzando com análise de dados, performance de usuário, teste de usabilidade, trazendo intacto o tal deslumbramento que essa é a nossa sorte: contar com esses apaixonados na Fuerza mantém o nosso gás e potência e permite que eu possa bancar o velho reclamando “como no meu tempo as coisas eram melhores, como éramos ousados, como fazíamos tudo sem nos preocupar com UX, UI, etc, etc, etc” em paz, sem ficar no caminho atrapalhando os jovens com histórias sobre os bons e velhos tempos, que aliás, nem são tão velhos, tampouco tão bons assim.


Particularmente eu gostava mais quando fazer design era a combinação de ideias e funcionalidades, mas fazer bonito era um pouquinho mais importante do que fazer funcional… hoje a gente precisa achar a beleza em detalhes, tipo “olha que incrível o design desse input de formulário”. Mas aí é aquela velha formação em artes visuais falando mais alto com a voz rouca de Duchamp e Rembrandt, dizendo “quebre tudo, queime o que é acomodado e seguro, reinvente a roda a cada novo trabalho”. Esses velhos mestres nada tinham de velhos. Eram adolescentes sábios e inflamados até o fim da vida. Sabiam das coisas.


Recentemente, tenho voltado a olhar pra projetos antigos (de 9-10 anos atrás) alguns inclusive em que participei. A memória é seletiva, eu sei: tudo parece tão mais divertido, mas sinceramente… ao olhar o Awwwards hoje (na época tínhamos o FWA como principal referência) você não tem também a impressão de que fazíamos coisas mais inventivas e belas com muito menos?

Nota de rodapé: quando falo de projetos antigos, me refiro a coisas como essa loucura que fiz com meus colegas na época da W3Haus:


Site comemorativo de final de ano onde, basicamente, se podia queimar num fosso infernal tudo de ruim que acontecera no ano anterior.

Talvez seja tudo resultado das transformações que estamos vivendo, com as redes sociais e as AIs, a efemeridade dos reels, ou o “tudo por um tweet” e a velocidade do mercado… ou talvez seja simplesmente o fato de que estou há muito tempo em um mercado que precisa de seus modismos pra seguir se renovando. Não é etarismo, mas quando se trata de design, tem que ter na equipe gente com espírito jovem pra se manter atual, com qualidade e relevância no mercado. Coisa que temos de sobra. Veja bem, eu não disse gente jovem, eu disse gente com espírito jovem. Como Duchamp. Como Rembrandt. Como Paul Klee. Como Warhol. Como El Greco, punk antes dos punks, como Picasso, Mondrian e Hopper. Dali, Chirico e Bosch, seu louco maravilhoso. Michelangelo e Da Vinci. Aleijadinho, Van Gogh. Klimt, Schiele, Lautrec. Jovens que olharam o mundo ao seu redor. E ousaram. Como nunca antes.


O fato é que, nesse inevitável caminho do mercado que todo o designer percorre de lentamente se envolver cada vez mais no lado business e ir se sentindo cada vez mais distante do design, na verdade esse profissional está cada vez mais distante do seu lado artístico tão necessário pra criar coisas belas. Lembrei então de como fazer design tendo uma faculdade de Artes no currículo me trouxe uma visão diferente, uma vontade de explorar e experimentar sempre e, comecei a voltar meus olhos para a arte de novo.
Essa é a saída.
Para soprar vida nas coisas, para dar potência e chama.
Para evitar o velho e apático.
A arte respira.
A arte salva.

O designer que chega naquele estágio corporativo precisa manter um pouco da arte no seu dia a dia, nem que seja de forma indireta. No meu caso é a música. Creio que não só pro designer, mas pra todo o profissional, ter um pouco de arte na vida faz toda a diferença. Expande horizontes, exercita diferentes perspectivas e provoca rupturas.


Voltar a estar em contato com a arte, me faz olhar pros nossos projetos com novos olhos e valorizar cada vez mais aqueles trabalhos em que temos a sorte de poder experimentar, testar e ultrapassar barreiras. Fico maravilhado com as coisas que nosso time de design tem feito. Hoje jamais me arriscaria a tentar fazer tais experimentalismos, até porque o design agora envolve 3D, webGL, motion e coisas com dezenas de letras no nome, tantas coisas que não aprendi, mas hoje mais do que nunca, graças a estar em contato com arte, consigo reconhecer e perceber não as pequenas, mas as grandes belezas que produzimos e entregamos diariamente.

Belezas essas que, aliás, ilustram esse post e trazem otimismo a um eterno jovem velho ranzinza. Todos projetos de Branding, UX, UI, Motion, Dev e inovação do incrível time da Fuerza.

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